Manuel

De tanto desenhar … quando eu desenhava uma árvore,                                                            era como se a minha mão agisse sozinha. Enquanto o lápis                                                     corria rapidamente pela folha, era extremamente agradável                                                     olhar para a linha que a minha mão traçava como se esta                                                   operação fosse feita por uma pessoa independente.                                                                      Tinha a impressão de que outra pessoa se metera dentro                                                             de mim e desenhava por mim.

Orhan Pamuk – Istambul, Memórias de uma cidade

Voando sobre um ninho de cucos

No teu sonho, não se toca.
Não se esgota quanto vês.
O que lembras não se apaga,
o que penas não se acaba,
o que importa é no que crês.

Deixa-te conduzir
por essa estranha criatura
que dentro de ti
desenha o que sonhas,
escreve o que amas,
conchega o que sofres,
sustenta o que és.

Deixa que a tua mão sensata
desenhe, escreva, conchegue
quanto é teu, só teu,
de mais ninguém.

E nesse momento mágico,
sereno, único,
ameno, irrepetível,
distante dos logros e canseiras
dum ontem sem mira nem proposta,
– ó,  quão chegado ele está
do momento vizinho
de onde chegaste –
segue atento o traço primoroso
que com a mão liberta desenhaste.

Acolhe num regaço aberto
as miríades de letras
lançadas ao ar
pela tua outra mão revolta.
Agarra em cada uma
com mimo e com afago
ao jeito que se pega
uma flor.
Arruma-as com ternura,
encadeia-as com desvelo
como quem enfia
um colar de pérolas.

E sem quereres,
sem saberes como nem porquê,
entre a tua mão liberta e a mão revolta
ao jeito que se pega uma flor,
ó que belo poema de amor
escreverás.

 

 

Assinatura do autor Manuel Paulo