Mostrou-me então o anjo um rio de água viva
resplandecente como cristal de rocha, saindo do
trono de Deus e do Cordeiro. No meio da avenida
e às duas margens do rio, achava-se uma árvore
de vida que produz doze frutos, dando cada mês um
fruto, servindo as folhas da árvore para curar as nações.
Apocalipse III – 22

 

Percorro sereno,
devagar, devagarinho
enredos do meu crescer.
Lá vão oitenta e tais.
Entranhando valores,
compromissos, cumplicidades,
partilhas herdadas, palavradas,
testemunhos de meus pais,
escutava confuso a guerra distante
de gente que erguia muros,
dissecava raças,
arrasava praças,
mandava destruir multidões.
Incorporava tal enigma
em dois putos de fora
com quem brincava,
que nada entendia de quanto diziam
mas de quem tanto gostava.

Fui gente crescida
com  lutas ao longe,
com gente fingindo
batalhas só a fingir.
Sem lista de mortos.
Nem nada.
Fui gente com gente
mandando calar toda a gente,
que os bem comportados
mereciam a comenda de existir.

Fui grande com gente diferente,
que ergueu ruinas, enlaçou povos,
simulou guerras,
tombou e voltou a erguer-se
e voltou a cair e levantar.
Que acreditou
que bons e maus somos todos
mas todos capazes da libertação.

E agora, tão perto do fim,
percorro ansioso,
devagar, devagarinho
enredos do meu findar.
E tenho medo.
Um medo medonho
ao ver renascer
gente com promessas
de erguer redes, dividir raças,
encerrar fronteiras,
apartar filhos de pais,
virar costas a quem se afoga
tão perto da costa,
repartir armas,
retalhar Karmas,
comprar trunfos
no mercado dos triunfos.

E agora?

Mostrou-me um anjo…
a árvore de vida
que produz doze frutos,
dando cada mês um fruto,
servindo as folhas da árvore
para curar as nações.

Mais uma vez.

Assinatura do autor Manuel Paulo