Só nos nascimentos e nas mortes saímos do tempo. A terra detém a sua rotação, e as trivialidades em que desperdiçamos  horas caem ao chão como pó de purpurina. Quando uma criança nasce ou uma pessoa morre, o presente parte-se ao meio e deixa-nos espreitar por um instante a frincha da verdade: monumental, ardente e imutável.

A ridícula ideia de não voltar a ver-te – Rosa Montero

Tal qual eu.
Cada vez que um filho nasceu,
cada vez que quem amo morreu,
sobretudo aqueles de que nem consigo falar,
libertei-me do tempo e do espaço.
E toda a vez que aconteceu
“espreitei esse instante
da frincha da verdade”
e não mais fui eu.

Fermentado na levedura
da dor, dos carinhos, da ternura,
busquei com cada próximo o equilíbrio                                                                                   do falar e do calar.

Na partilha do gostar e do brincar,                                                                                           na busca do teu chão imaculado,
e dos silêncios
na tua companhia
e na de cada outro
como se fosse único.

Até que pelos oitenta e tais de agora
sacudo o pó dos pés
e sou caminhante afortunado.

Porque no hoje da vida,
neste entardecer
em que parei para pensar,
vou descansar, sereno,
olhando. o teu voar.

Assinatura do autor Manuel Paulo