Poesia. Um modo de ler o Mundo
No Congresso de Leitura COLE em Campinas, Brasil, Mia Couto afirmava:
” … A poesia prova não ser apenas um género literário, mas um olhar revelador de mistérios e uma sabedoria resgatadora da nossa profunda humanidade. A poesia é um modo de ler o mundo e escrever nele um outro mundo.”
E logo depois:
” Compete-nos desarmadilhar o mundo para que ele seja mais nosso e mais solidário. Todos queremos um mundo novo, um mundo que tenha tudo de novo e muito pouco de mundo. A isso chamaram de utopia. Sabendo que essa palavra contém já uma cilada. A palavra “utopia”, que vem do grego, quer dizer “o não-lugar” ( em contraponto com o lugar concreto que é o nosso mundo real). Mas eu não estaria fazendo poesia se dissesse que, nas condições de hoje, aconteceu uma curiosa inversão: o chamado mundo real é aquele que se apresenta como um verdadeiro não-lugar, um lugar vazio onde cabemos apenas como uma ilusão virtual. Não sei se poderemos chamar de lugar ao território onde vivemos uma vida que nunca chega a ser nossa e que, cada vez mais, nos surge como uma vida pouco viva.”
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Que direi eu:
É fácil culpar os outros.
Alguém desconhecido é sempre o réu da minha indiferença.
Eu habito o lado dos bons. Da outra banda é gente que não presta.
E o mundo segue a meu lado cada vez mais um não-lugar.
Ai de mim
que instalei no meu coração
a perfeição como rotina,
que temo o ódio e fujo do amor,
que uso guarda-chuva
no bom e no mau tempo,
que arranco por nada ou quase nada
a raiz ao pensamento.
Foi então que olhei o Céu.
E não vi luz na Estrela Polar.
Até aquela criança que me olhava
deixou de sorrir.
Tomei o leme.
Apertei-o
como quem espreme o passado.
Pus de lado a tentação
de sonhar acordado.
E nesse segundo, a cantar,
sem medo do charco,
ou do mar ou do fundo
juntei os cacos do mundo
no barco
e voltei a sonhar.
Este novo mundo é para mim.
Mas para ti também.