Manuel

Friedrich Nietzsche, na descrição da sua teoria do Eterno Retorno, escrevia:

E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem- e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente- e você com ela, partícula de poeira!”. 

Para além de nela me não rever, a perspectiva profética e escatológica do seu pensamento trespassa a realidade da minha história. Se não, vejamos:

O eterno retorno

Percorro sereno, devagar, devagarinho
enredos do meu crescer. Lá vão oitenta e tais.
Entranhando valores, compromissos, cumplicidades, partilhas herdadas, palavradas, testemunhos de meus pais, nessa aurora escutava confuso a guerra distante de gente que erguia muros, dissecava raças, arrasava praças, mandava eliminar multidões.
Incorporava tal enigma em dois putos chegados de terras da guerra,
com quem brincava e divertia, que nada entendia de quanto diziam,
mas de quem tanto gostava.
Fui gente crescida com lutas ao longe,
com gente fingindo batalhas só a fingir.
Sem lista de mortos. Nem nada.
Fui gente com gente mandando calar toda a gente,
que só os bem comportados mereciam a comenda de existir. Fui grande com gente diferente, que se ergueu das ruinas, enlaçou povos, simulou guerras, tombou e voltou a erguer-see voltou a cair. E a levantar.

Gente grudada à tal utopia, que acredita
que os bons e os maus somos todos mas todos capazes da libertação.
E agora, tão perto do fim, percorro ansioso,
devagar, devagarinho, enredos do meu findar.
E tenho medo.
Um medo medonho ao ver renascer
gente galgando fronteiras, arrojando obuses,
cavando trincheiras.
Gente com promessas
de erguer redes, dividir raças, arrasar praças,
apartar filhos de pais,
virar costas a quem se afoga tão perto da costa,
repartir armas,
retalhar Karmas,
comprar trunfos
no mercado dos triunfos.
E agora?

Mostrou-me um anjo…
a árvore de vida que produz doze frutos,
dando cada mês um fruto,
servindo as folhas da árvore para curar as nações. Apocalipse III – 22

Assinatura do autor Manuel Paulo