Manuel

 

Natal. De qualquer lado.

De passagem pela aldeia
onde há séculos fui feliz,
passeando na calçada,
sereno,
olhando-me por dentro
na busca da verdade,
cheirou-me a bosta,
a gado e a estrume
saído dum curral.
Tentei fugir
que eu detesto o esterco.
Cheira mal.

Mas parei.
E hesitei.
Ganhei coragem
e lá fui eu.

Habituei os olhos ao escuro,
difícil que era
distinguir o que ocorria
com a ténue claridade que surgia
por entre duas telhas mal pousadas.
Previdente que sou,
valiam as botas altas que calçara,
lembrado da passagem pela aldeia
onde há séculos fui feliz.

E foi assim que eu,
o acético, o imaculado pensador,
meditando na busca da verdade,
ouvi um choro de criança
acabada de nascer.
Olhei à minha volta.
Avistei a Mãe
com cara ainda de quem sofre,
embalar, sorrindo,
o seu bebé.

Caí em mim.
Era Natal.
E entendi.

Ó se entendi
que a verdade que buscava
não era uma moral,
nem regras a cumprir,
nem fugir de tentações,
nem pregar sermões,
não eram mais conceitos,
nem preceitos,
nem doutas opiniões.
Tão pouco
prendas e pinhões.
Era sim o amor a uma criança
que no Natal, para quem crê,
vê nascer o Salvador do Mundo,
para quem não,
é o que esfrega o coração
daquele com quem cruzas,
que te entrega e te acolhe
os afetos, os festejos, os pesares.

Voltei daquele esterco
olhando-me por dentro
na busca da verdade.
Em cada dia
do ano que começa
avistarei, com cara de quem sofre,
aquela Mãe embalando a sorrir
o seu bebé.
E em cada dia, cada hora
em que este acético, imaculado pensador
cair na ousadia de criar mais um cliché,
ou ainda o preconceito
da linha que separa os bons dos maus,
os puros dos imundos,
acenderei o rastilho
dos sorrisos
onde tu e eu,
a cada hora,
seja de que de lado for,
derrubaremos muros.
Faremos o mundo ao nosso jeito
onde os bons e maus seremos todos
mas cada qual um instrumento da libertação.

 

 

 

 

 

 

Assinatura do autor Manuel Paulo